As redes sociais na internet congregam 29 milhões de brasileiros
por mês. Nada menos que oito em cada dez pessoas conectadas no Bra-sil têm
o seu perfil estampado em algum site de relacionamentos. Elas usam essas redes
para manter contato com os amigos, conhecer pessoas – e paquerar, é
claro, ou bem mais do que isso. No mês passado, uma pesquisa do Ministério
da Saúde revelou que 7,3% dos adultos com acesso à internet fizeram
sexo com alguém que conheceram on-line. Os brasileiros já dominam
o Orkut e, agora, avançam sobre o Twitter e o Facebook. A audiência
do primeiro quintuplicou neste ano e a do segundo dobrou. Juntos, esses dois sites
foram visitados por 6 milhões de usuários em maio, um quarto da
audiência do Orkut. Para cada quatro minutos na rede, os brasileiros dedicam
um a atualizar seu perfil e bisbilhotar o dos amigos, segundo dados do Ibope Nielsen
Online. Em nenhum outro país existe um entusiasmo tão grande pelas
amizades virtuais. Qual é o impacto de tais sites na maneira como as pessoas
se relacionam? Eles, de fato, diminuem a solidão? Recentemente, sociólogos,
psicólogos e antropólogos passaram a buscar uma resposta para essas
perguntas. Eles concluíram que essa comunicação não
consegue suprir as necessidades afetivas mais profundas dos indivíduos.
A internet tornou-se um vasto ponto de encontro de contatos superficiais. É
o oposto do que, segundo escreveu o filósofo grego Aristóteles (384-322
a.C.), de fato aproxima os amigos: "Eles precisam de tempo e de intimidade;
como diz o ditado, não podem se conhecer sem que tenham comido juntos a
quantidade necessária de sal".
Por definição,
uma rede social on-line é uma página na rede em que se pode publicar
um perfil público de si mesmo – com fotos e dados pessoais –
e montar uma lista de amigos que também integram o mesmo site. Como em
uma praça, um clube ou um bar, esse é o espaço no qual as
pessoas trocam informações sobre as novidades cotidianas de sua
vida, mostram as fotos dos filhos, comentam os vídeos caseiros uns dos
outros, compartilham suas músicas preferidas e até descobrem novas
oportunidades de trabalho. Tudo como as relações sociais devem ser,
mas com uma grande diferença: a ausência quase total de contato pessoal.
Os sites de relacionamentos, como qualquer tecnologia, são neutros.
São bons ou ruins dependendo do que se faz com eles. E nem todo mundo aprendeu
a usá-los a seu próprio favor. Os sites podem ser úteis para
manter amizades separadas pela distância ou pelo tempo e para unir pessoas
com interesses comuns. Nas últimas semanas, por exemplo, o Twitter foi
acionado pelos iranianos para denunciar, em mensagens curtas e tempo real, a violência
contra os manifestantes que reclamavam de fraudes nas eleições presidenciais.
Em excesso, porém, o uso dos sites de relacionamentos pode ter um efeito
negativo: as pessoas se isolam e tornam-se dependentes de um mundo de faz de conta,
em que só se sentem à vontade para interagir com os outros protegidas
pelo véu da impessoalidade.
O sociólogo americano Robert
Weiss escreveu, na década de 70, que existem dois tipos de solidão:
a emocional e a social. Segundo Weiss, "a solidão emocional é
o sentimento de vazio e inquietação causado pela falta de relacionamentos
profundos. A solidão social é o sentimento de tédio e marginalidade
causado pela falta de amizades ou de um sentimento de pertencer a uma comunidade".
Vários estudos têm reforçado a tese de que os sites de relacionamentos
diminuem a solidão social, mas aumentam significativamente a solidão
emocional. É como se os participantes dessas páginas na internet
estivessem sempre rodeados de pessoas, mas não pudessem contar com nenhuma
delas para uma relação mais próxima. A associação
entre a sensação de isolamento e o uso compulsivo de comunidades
virtuais foi observada em pesquisas com jovens na Índia, na Turquia, na
Itália e nos Estados Unidos. Na Austrália, um estudo da Universidade
de Sydney com idosos mostrou que aqueles que usam a internet principalmente como
uma ferramenta de comunicação tinham um nível menor de solidão
social. Já os entrevistados que preferiam usar os computadores para fazer
amigos apresentaram um alto grau de solidão emocional.
Ao contrário
do e-mail, sites como Orkut, Facebook e Twitter, por sua instantaneidade, criaram
esse novo tipo de ansiedade: a de ficar sempre plugado para evitar a impressão
de que se está perdendo algo. Lev Grossman, colunista de tecnologia da
revista americana Time, revelou há pouco ter decidido cancelar sua
conta no Twitter porque percebeu que estava ficando mais interessado na vida alheia
do que na própria. A produtora cultural Liliane Ferrari, de São
Paulo, é extrovertida e comunicativa. No entanto, como trabalha em casa
e tem uma filha pequena, considera ter pouco tempo para se encontrar pessoalmente
com os amigos. Em compensação, passa duas horas por dia atualizando
e conferindo os 21 sites de relacionamentos e blogs dos quais faz parte. Mas já
está ficando apreensiva. "Quando fico conectada com um monte de gente
por muito tempo, tenho a impressão de que, no fundo, não conheço
ninguém. É uma coisa meio esquizofrênica, parece que estou
ficando louca", diz Liliane. Ela não tem dúvida de que, em
relação aos amigos mais íntimos, nada substitui o contato
pessoal. "Quando se desabafa com um amigo pela internet, alguns sinais de
afetividade são deixados de lado, como o olhar, a expressão corporal
e o tom de voz", diz a psicóloga Rita Khater, da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas.
As amizades na internet não
são sequer mais numerosas do que na vida real. De nada adianta ter 500
ou 1 000 contatos no Orkut. É impossível dar conta de todos
eles, porque o limite das relações humanas é estabelecido
pela biologia. O número máximo de pessoas com quem cada um de nós
consegue manter uma relação social estável é, em média,
de 150, segundo o antropólogo inglês Robin Dunbar, um dos mais conceituados
estudiosos da psicologia evolutiva. Dunbar observou que o tamanho médio
dos conjuntos de diferentes espécies de primata depende do tamanho do seu
cérebro. Extrapolando a lógica para o Homo sapiens, o pesquisador
chegou ao seu número mágico, confirmado pela análise de diversos
grupos humanos ao longo da história. Sua teoria é que, desde o paleolítico,
nossos ancestrais foram desenvolvendo a linguagem ao mesmo tempo em que ampliavam
o seu círculo social – ou seja, aqueles indivíduos com quem
se acasalavam, faziam alianças, fofocavam, cooperavam e, eventualmente,
brigavam. Amigos, numa versão mais rudimentar. Há cerca de 10 000
anos, chegou-se ao limite calculado por Dunbar, estabelecido pela impossibilidade
de o ser humano aumentar a sua capacidade cognitiva, o que inclui as habilidades
de comunicação.
Dunbar começou a estudar o assunto
na década de 90 e, agora, o seu cálculo está sendo confirmado
nos sites de relacionamentos. Em média, o número de contatos nos
perfis do Facebook e de seguidores no Twitter é de 120 pessoas. No Orkut,
cada brasileiro tem cerca de 100 amigos. Mesmo quem foge do padrão e consegue
amealhar alguns milhares de companheiros virtuais não conhece, de fato,
muito mais do que uma centena. A cantora Marina de la Riva tem, entre Orkut, Facebook
e MySpace, 4 700 contatos. "Mas não me comunico com mais do
que 100 deles", diz Marina. O número de Dunbar, 150, não é
uma unanimidade entre os cientistas. Valendo-se de uma metodologia diferente,
um grupo de antropólogos americanos, entre os quais Russell Bernard, da
Universidade da Flórida, concluiu que, nos Estados Unidos, os laços
de amizade de uma pessoa podem chegar a 290. Cento e cinquenta ou 290 pessoas:
não importa qual seja a cifra, ainda está muito longe do número
de amigos que os mais ativos apregoam ter na rede eletrônica. "A internet
é muito boa para administrar amizades já existentes, garantindo
sua continuidade mesmo a grandes distâncias, mas é ruim para criar
do zero relações de qualidade", disse Dunbar à revista.
Existem diferentes níveis de amizade, é lógico. As
mais distantes são mais abundantes. É o que se chama, em sociologia,
de "laços fracos". Relações sociais estáveis
como as estudadas por Dunbar e Bernard são chamadas, por sua vez, de "laços
fortes". Dentro dessa categoria há um núcleo reduzido de confidentes,
que não costumam passar de cinco. Esses são os amigos do peito,
com quem podemos contar sempre, mesmo nos piores momentos. As mulheres costumam
ter um núcleo de confidentes maior que o dos homens. A característica
se repete na internet. No Facebook, por exemplo, um homem com 120 contatos na
lista responde com frequência aos comentários de sete amigos, em
média. Entre as mulheres, esse número sobe para dez. "As mulheres
têm mais facilidade para fazer amizades próximas do que os homens",
diz a antropóloga Claudia Barcellos Rezende, da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Já os homens se especializaram em estabelecer um número
maior de relações, mas com um grau de intimidade menor. Em termos
evolutivos, isso se explica pela necessidade do homem de sair para buscar o sustento,
fazendo alianças temporárias com uma quantidade maior de indivíduos,
enquanto as mulheres ficavam com os filhos e se juntavam às outras mães
para proteger a prole.
A vida moderna, curiosamente, pode estar tornando
as relações de amizade mais masculinizadas. "O tamanho médio
do núcleo de amigos próximos parece estar diminuindo, enquanto a
rede de contatos fracos aumenta", disse a VEJA o sociólogo Peter Marsden,
da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Ou seja, cresceram as relações
superficiais, efêmeras, e reduziram-se as mais afetivas, profundas. A tendência
é reproduzida à perfeição – e intensificada –
nas redes sociais on-line. É como se a maioria das relações
fosse estratégica, tal como as dos homens das cavernas. "Nesses sites,
é possível manter os relacionamentos a uma distância segura.
Ou seja, aproximações e afastamentos se dão na medida do
necessário", afirma Luli Radfahrer, professor de comunicação
digital da Universidade de São Paulo. Um exemplo conhecido dos adeptos
do Orkut no Brasil são os ex-colegas de escola que, depois de anos sem
se comunicar e mesmo sem ter nenhuma afinidade pessoal, passam a engordar a lista
de amigos virtuais uns dos outros. Quando conveniente, o contato é retomado
para resolver questões práticas. Esses laços fracos são
muito úteis, por exemplo, para descobrir oportunidades de trabalho. Amigos
próximos são menos eficientes em tal quesito porque, em geral, circulam
no mesmo meio e têm acesso às mesmas informações. Uma
das redes sociais com o maior crescimento de adeptos no mundo é justamente
o LinkedIn, especializado em estabelecer vínculos profissionais.
Na
internet, é fácil administrar uma enorme rede de contatos, com pessoas
pouco conhecidas, porque estão todos ao alcance de um clique. A lista de
amigos virtuais é uma espécie de agenda de telefones, com a vantagem
de não ser necessário ligar para todos uma vez por ano para não
ser esquecido. Basta manter o perfil atualizado e acrescentar à página
comentários sobre, por exemplo, suas atividades cotidianas. Isso cria um
efeito conhecido como "sensação de ambiente". É
como se cada um dos contatos de determinada pessoa estivesse fisicamente presente
no momento em que ela reclama de uma coceira nas costas ou comenta sobre a música
que está ouvindo. O Twitter explora esse princípio na sua forma
mais crua, ao incitar os seus participantes a responder em apenas 140 caracteres
à pergunta: "O que você está fazendo?". Os comentários
vão de "comendo pão de queijo" a observações
espirituosas sobre a vida. O fluxo constante de informações pessoais
cria um paradoxo: ao mesmo tempo que ele é necessário para cativar
a atenção dos amigos virtuais, pode pôr em risco a imagem
pública do indivíduo. Certamente seria embaraçoso para um
candidato a um emprego que o seu futuro chefe lesse a seguinte revelação
encontrada pela reportagem de VEJA em um perfil do Orkut: "No colégio,
eu tinha o hábito de bater no bumbum das alunas com uma régua, quando
elas passavam pela minha mesa".
Cada perfil nos sites de relacionamentos
pode ser comparado a um pequeno palco. Esse exercício até certo
ponto teatral é, no entanto, apresentado a uma audiência invisível.
"Como não estamos vendo nossos espectadores, somos incapazes de observar
sua reação ao que estamos fazendo e, com isso, ficamos à
vontade para nos expor mais do que seria prudente", disse a VEJA Barry Wellman,
professor de sociologia da Universidade de Toronto, no Canadá. As táticas
para driblar a superexposição nas redes sociais on-line são
variadas. Há quem mantenha dois perfis no mesmo site: um para laços
fracos, com informações pessoais mais contidas, e outro para laços
fortes, em que se pode permitir um grau de exposição maior. A atriz
Mel Lisboa teve, durante algum tempo, um perfil com pseudônimo no Orkut,
por meio do qual mantinha contato apenas com os amigos mais próximos. Quando
os fãs descobriram, ela passou a receber pedidos incessantes de entrada
em sua lista de amigos. "Era uma situação complicada, porque
eu não estava ali para divulgar o meu trabalho", diz Mel. "Eu
ficava sem graça de recusar um pedido de autorização e acabei
desistindo do Orkut." Atualmente, há uma página com o nome
e a foto dela no site, mas é falsa. Alguém se passa por ela. Outra
forma de manter a privacidade on-line é usar os filtros, disponíveis
em muitos sites, que permitem selecionar quais amigos podem ver determinadas partes
do perfil pessoal.
A necessidade de classificar os contatos virtuais na
sua página do Orkut ou do Facebook segundo o grau de intimidade desafia
um dos princípios da amizade verdadeira: a total reciprocidade. Na vida
real, o desnível da afinidade que uma pessoa sente pela outra costuma ficar
apenas implícito na relação entre elas. Na internet, ele
é escancarado. Pode-se simplesmente bloquear o acesso de certos amigos
a determinadas informações. Além disso, ela não estimula
aquele tipo de solidariedade que faz com que dois amigos de carne e osso aturem,
mutuamente, os maus momentos de ambos. Esse grau de convivência e aceitação
de azedumes ou mesmo defeitos alheios é quase inexistente nas redes sociais.
Quando alguém começa a incomodar, é ignorado ou deletado.
"Se o objetivo é um vínculo afetivo maior, é preciso
se encontrar pessoalmente", resume candidamente Danah Boyd, pesquisadora
do Microsoft Research, um laboratório inaugurado em Massachusetts pela
empresa de Bill Gates para o estudo do futuro da internet.
Ao fim e ao cabo,
usar as redes sociais para fazer uma infinidade de amigos – quase sempre
não muito amigos – é uma especialidade de Brasil, Hungria e
Filipinas, países que têm o maior número de usuários
com mais de 150 contatos virtuais. Uma pesquisa nos Estados Unidos, por exemplo,
mostrou que 91% dos adolescentes usam os sites apenas para se comunicar com amigos
que eles já conhecem. Parecem saber que, como dizia Aristóteles,
amigos verdadeiros precisam ter comido sal juntos. O que você está
esperando? Saia um pouco da sua página virtual, pare de bisbilhotar a dos
outros, dê um tempo nas conversinhas que só pontuam o vazio da existência
e vá viver mais.